sábado, 21 de março de 2015

PESQUIZA QUER PROVAR EFICÁCIA DE PLANTA PARA REDUZIR EFEITOS DO AUTISMO

21/03/2015 08h00 - Atualizado em 21/03/2015 08h00

Pesquisa quer provar eficácia de planta para reduzir efeitos do autismo

Princípio ativo da erva de São João pode 'curar' neurônios de autistas. 
Avanços da ciência são apresentados em congresso em Ribeirão Preto (SP).

Felipe TurioniDo G1 Ribeirão e Franca
Foi com o uso de uma planta bastante conhecida na medicina popular que a farmacêutica Ângela Capucho percebeu uma redução significativa dos efeitos do autismo em seu filho Vinícius, de 7 anos.
A erva de São João, usada principalmente para tratar casos de ansiedade e depressão, surgiu como uma esperança no tratamento do transtorno no final do ano passado, ao ser citada em uma pesquisa feita em parceria com a Universidade de São Paulo (USP). A eficácia da planta para pessoas autistas – ainda não comprovada cientificamente – será testada em uma nova etapa do estudo ainda este ano.
Hipérico, ou erva de São João, é usada para tratar o autismo (Foto: Reprodução/TV Globo)Hipérico, ou erva de São João, é usada para tratar
o autismo (Foto: Reprodução/TV Globo)
O uso da erva e outras pesquisas desenvolvidas sobre o distúrbio que prejudica o desenvolvimento cerebral e afeta o comportamento e as habilidades de comunicação são tema de um congresso realizado em Ribeirão Preto (SP). A 1ª Semana Internacional do Transtorno Espectro Autista (TEAbraço) segue até domingo (23) na cidade.

Desde novembro de 2014, quando começou a ministrar doses da erva de São João para o filho – mesmo sem ter a comprovação científica dos benefícios da planta – a farmacêutica percebeu mudanças positivas no comportamento de Vinícius, diagnosticado com autismo grave.
Segundo ela, as cápsulas fitoterápicas de hipérico, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina que só podem ser vendidas com prescrição médica, ajudaram a reduzir os quadros de estereotipia da doença. “Meu filho ficava o dia inteiro balançando o corpo ou objetos, no mundinho dele, era mais hiperativo, pulava muito, gritava, agora está mais tranquilo, diminuiu essa busca pela estereotipia e parou para prestar mais atenção no mundo ao redor”, comenta Ângela.
Vinicius com o pai e a mãe, Ângela Capucho (Foto: Ângela Capucho/Arquivo Pessoal)Vinicius com o pai e a mãe, Ângela Capucho
(Foto: Ângela Capucho/Arquivo Pessoal)
A pesquisa
Melhorias na parte cognitiva, na memória, no foco e na atenção puderam ser observadas em voluntários que já utilizaram a planta de maneira preliminar, em chás ou em cápsulas, segundo o biólogo brasileiro Alysson Muotri, professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA.
Em laboratório, a equipe do pesquisador “curou” um neurônio autista ao realizar estudos com células-tronco e aplicar uma droga chamada hiperforina, o princípio ativo encontrado na erva de São João (Hypericum perforatum).
“O projeto começou quando começamos a coletar células de polpa de dente de crianças autistas e assim que essas células chegaram ao laboratório fizemos uma análise genética para descobrir quais as alterações que o indivíduo possuía em seu genoma. No caso dessa criança, detectamos mutações no gene TRPC6 além de outros genes”, explica o pesquisador. O TRPC6 é o gene que regula impulsos nervosos e é importante para a formação de neurônios.

'Cura' de neurônios
Segundo o estudo, esses genes autistas possuem menos ramificações e fazem menos conexões que os cromossomos de uma pessoa sem autismo e o uso de drogas pode reverter os defeitos nos neurônios de pessoas com o distúrbio. Essa mudança na característica do TRPC6 pode sugerir que certas doenças do desenvolvimento neural conseguem ser tratadas ou até mesmo curadas.
Imagem mostra diferença entre neurônio de pessoa sem autismo (à esquerda) e de autista (Foto: Alysson Muotri/Arquivo Pessoal)Imagem mostra diferença entre neurônio de
pessoa sem autismo (à esquerda) e de autista
(Foto: Alysson Muotri/Arquivo Pessoal)
Entretanto, o uso da hiperforina para tratar a doença é restrito, já que há diferentes tipos de autismo, com alterações em diversos genes. “Nós estimamos que menos de 1% dos autistas se beneficiariam da erva, pois ela ajudaria apenas uma fração que carrega mutações especificas no gene TRPC6”, afirma Muotri.

Tratamento personalizado
A reprogramação celular que possibilitou o estudo dos genes em neurônios de pacientes com autismo vai ajudar a identificar as alterações genéticas presentes em quem possui o transtorno e, no futuro, poderá oferecer um tratamento personalizado para cada indivíduo.

“Como o autismo é uma doença heterogênea, pode até ser que tenhamos tratamentos personalizados para cada paciente, a depender de suas alterações genéticas”, comenta a pesquisadora da USP Karina Griesi Oliveira.

O uso de drogas específicas para cada alteração que causa o transtorno neurológico depende do mapeamento genético dos pacientes. Além disso, a aplicação de medicamentos para tratar o autismo ainda depende de estudos controlados.
As pesquisas comparativas em pacientes autistas com o uso da erva de São João, por exemplo, devem começar no segundo semestre de 2015 no Brasil, após aprovação de um comitê de ética. “É um resultado promissor, mas entre o resultado e saber se realmente vai funcionar, não sei quantos anos de pesquisa pode ter ainda”, diz a professora do Centro de Estudos do Genoma Humano, Maria Rita Passos-Bueno.

Apesar das incertezas e restrições, a farmacêutica Ângela não tem dúvidas sobre os efeitos medicinais da planta no tratamento do filho. “Não tem nada comprovado cientificamente para o autismo ainda e se for esperar vai demorar muito, por isso resolvi tentar”, diz. “Já dei várias medicações para ele, nenhuma deu resultado e todas davam bastante efeito colateral. Esta foi uma das únicas medicações que não teve efeito colateral grave a curto prazo”.
Autismo é causado por mutações em genes que regulam a divisão de células progenitoras neurais (Foto: Alysson Muotri/Arquivo Pessoal)Autismo é causado por mutações em genes que regulam a divisão de células progenitoras neurais (Foto: Alysson Muotri/Arquivo Pessoal

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